Eu queria ir
embora.
Já tinha
perdido as contas de quantas vezes tinha feito minhas malas e sempre encarava aquele
velho bilhete que eu sempre queria deixar para Claudia.
“Não aguento
mais. Estou indo embora.”
Mesmo que seja
uma linha, escrever essas palavras não era tão fácil quanto eu imaginava. As
malas poderiam estar prontas, mas eu não poderia simplesmente deixa-la, não
desse modo. Não depois de tudo que passamos juntos, de todas as brigas e nossas
idas e vindas. Eu a amava, só não aguentava mais.
Não aguentava
mais acordar todo dia e vê-la do meu lado. Não suportava mais sua risada, muito
menos quando bebia. Aliás, ela bebia de mais. Nós bebíamos de mais.
Novamente eu
me via sentado na cadeira da cozinha com aquele papel e aquela caneta. Minhas
malas no canto e o relógio marcando três horas da manhã. Eu bebericava meu café
e olhava para aquela folha em branco e tentava entender como eu tinha ido parar
ali, mais de uma vez, como eu tinha deixado de atura-la. Como eu não me aturava
mais, aquela pessoa que eu era quando ela estava por perto. Sentia novamente
que eu não tinha escolhas, tinha chegado ao limite com ela.
Levantei da
minha cadeira e fui até o armário de cima da cozinha. Era lá que Claudia
deixava suas bebidas. Encontrei uma garrafa de whiskey pela metade. Não era dos
melhores, mas iria me ajudar naquele momento de indecisão. Abri a garrafa e
completei minha xícara de café. Aquilo me deu a coragem que eu precisava para
fugir. Deixa-la para trás e tentar ser feliz de novo. Escrevi naquele papel o
que sempre desejei, o que sempre tentei escrever. Quando coloquei o ultimo
ponto na folha e li aquela minha despedida, ainda não achava digno para uma
mulher que eu tanto amei, mas tinha que bastar. Não suportava mais aquele
apartamento nem mais um segundo.
Ouvia o
colchão fazer seus barulhos com suas molas velhas. Passos em direção da
cozinha, Claudia estava ao lado da porta e me olhava com seus olhos serenos e
cansados. Suas olheiras estavam mais profundas do que nunca. Sem dizer uma
palavra, ela foi até a pia, pegou um copo e logo em seguida encheu-o com o
whiskey que estava em cima da mesa. Sentou ao meu lado e começou a bebê-lo.
Depois de alguns minutos me encarando, me vendo naquele estado deplorável, com
uma mala no chão e um café batizado de whiskey, ela parecia ter perdido seu
sono completamente. Mas não precisei mais me agonizar para saber o que pensava.
— Vai me
deixar novamente? — Ela tinha uma expressão séria no rosto. Seus olhos não
paravam de me fitar. Não havia ódio naqueles olhos verdes, estavam mais
parecidos com olhos de piedade.
— Claudia, eu
não consigo mais. Não posso mais viver assim, essa mentira que você inventou,
como se nunca brigássemos, como se você nunca tivesse tentando me matar. — Eu
não conseguia encara-la. Era muito dolorido para mim. Terminei meu café e me
servi com uma boa dose de whiskey.
— É sempre a
mesma coisa. Você cansa de mim, me destrói por dentro. E quando eu estou quase
recuperada você volta e diz que está arrependido. E sabe o que é pior? Eu te
aceito de volta. — Tinha um sorriso sereno no rosto. Seu copo já estava vazio.
Claudia se levantou e me abraçou. — Eu te amo. Eu nunca vou te deixar partir.
Nunca.
Em um reflexo
amedrontado de meu ser, escapei de seu abraço tão bruscamente que derrubei a
cadeira em que estava sentando. Não queria mais vê-la.
— Você é louca
Claudia. Eu nunca te deixei sozinha, eu nunca deixei de te amar. Eu sou seu
prisioneiro aqui, lembra? Você não sai de casa, você não conversa comigo por
dias e bebe até esquecer quem eu sou. Você inventa mentiras de como somos
felizes para ignorar o que você mesma faz. — Peguei minha mala que estava no
chão. Queria dar um ultimo beijo nela, mas tinha medo do que ela faria para me
manter ali em seu cativeiro.
— Então acabou
tudo? — Havia lágrimas nos olhos de Claudia. Seu sorriso tinha sumido de seu
rosto. Parecia perplexa com a notícia. Parecia que tinha atirado em seu
coração. A última coisa que eu desejava fazer com ela era machucá-la.
—Eu te amo
Claudia. Só não quero te ver. Nunca mais. — Fui em direção da porta. Ela não me
impediu. Girei a maçaneta e a abri. Assim que fechei a porta após ter saído
daquele local ouvi-a chorar. Dei mais três passos e ouvi algo quebrando e a
porta estremecendo. Provavelmente aquela garrafa de whiskey. Ela iria se arrepender
depois.
Finalmente
cheguei à rua. Estava frio como nunca, tanto, que assoprava as mãos em busca de
calor. Peguei um cigarro em meu bolso e o acendi. Assoprei aquela maldita
fumaça para cima enquanto olhava para a lua. Voltei a andar em busca de uma
nova vida. Uma nova cidade. Nunca mais falei com Claudia. Mas recebi uma
noticia de que havia falecido alguns meses depois que eu parti. Aparentemente
esqueceu o gás ligado e quando acendeu a luz, explodiu o andar inteiro. Além de
acabar com a minha vida, acabou com a de nossos vizinhos também. Não guardei
magoas e nem as lembranças ruins de Claudia, na verdade, não lembro direito de
como ela era, nem do sou sorriso e muito menos da sua risada. A única coisa que
guardo, foi que um dia eu amei alguém muito mais do que amei a mim mesmo.
Sempre amarei Claudia, mas nunca sentirei saudade.