sexta-feira, 25 de julho de 2014

Eu Queria Ir Embora - Crônicas Quaisquer



Eu queria ir embora.
Já tinha perdido as contas de quantas vezes tinha feito minhas malas e sempre encarava aquele velho bilhete que eu sempre queria deixar para Claudia.

“Não aguento mais. Estou indo embora.”

Mesmo que seja uma linha, escrever essas palavras não era tão fácil quanto eu imaginava. As malas poderiam estar prontas, mas eu não poderia simplesmente deixa-la, não desse modo. Não depois de tudo que passamos juntos, de todas as brigas e nossas idas e vindas. Eu a amava, só não aguentava mais.
Não aguentava mais acordar todo dia e vê-la do meu lado. Não suportava mais sua risada, muito menos quando bebia. Aliás, ela bebia de mais. Nós bebíamos de mais.
Novamente eu me via sentado na cadeira da cozinha com aquele papel e aquela caneta. Minhas malas no canto e o relógio marcando três horas da manhã. Eu bebericava meu café e olhava para aquela folha em branco e tentava entender como eu tinha ido parar ali, mais de uma vez, como eu tinha deixado de atura-la. Como eu não me aturava mais, aquela pessoa que eu era quando ela estava por perto. Sentia novamente que eu não tinha escolhas, tinha chegado ao limite com ela.
Levantei da minha cadeira e fui até o armário de cima da cozinha. Era lá que Claudia deixava suas bebidas. Encontrei uma garrafa de whiskey pela metade. Não era dos melhores, mas iria me ajudar naquele momento de indecisão. Abri a garrafa e completei minha xícara de café. Aquilo me deu a coragem que eu precisava para fugir. Deixa-la para trás e tentar ser feliz de novo. Escrevi naquele papel o que sempre desejei, o que sempre tentei escrever. Quando coloquei o ultimo ponto na folha e li aquela minha despedida, ainda não achava digno para uma mulher que eu tanto amei, mas tinha que bastar. Não suportava mais aquele apartamento nem mais um segundo.
Ouvia o colchão fazer seus barulhos com suas molas velhas. Passos em direção da cozinha, Claudia estava ao lado da porta e me olhava com seus olhos serenos e cansados. Suas olheiras estavam mais profundas do que nunca. Sem dizer uma palavra, ela foi até a pia, pegou um copo e logo em seguida encheu-o com o whiskey que estava em cima da mesa. Sentou ao meu lado e começou a bebê-lo. Depois de alguns minutos me encarando, me vendo naquele estado deplorável, com uma mala no chão e um café batizado de whiskey, ela parecia ter perdido seu sono completamente. Mas não precisei mais me agonizar para saber o que pensava.

— Vai me deixar novamente? — Ela tinha uma expressão séria no rosto. Seus olhos não paravam de me fitar. Não havia ódio naqueles olhos verdes, estavam mais parecidos com olhos de piedade.

— Claudia, eu não consigo mais. Não posso mais viver assim, essa mentira que você inventou, como se nunca brigássemos, como se você nunca tivesse tentando me matar. — Eu não conseguia encara-la. Era muito dolorido para mim. Terminei meu café e me servi com uma boa dose de whiskey.

— É sempre a mesma coisa. Você cansa de mim, me destrói por dentro. E quando eu estou quase recuperada você volta e diz que está arrependido. E sabe o que é pior? Eu te aceito de volta. — Tinha um sorriso sereno no rosto. Seu copo já estava vazio. Claudia se levantou e me abraçou. — Eu te amo. Eu nunca vou te deixar partir. Nunca.

Em um reflexo amedrontado de meu ser, escapei de seu abraço tão bruscamente que derrubei a cadeira em que estava sentando. Não queria mais vê-la.

— Você é louca Claudia. Eu nunca te deixei sozinha, eu nunca deixei de te amar. Eu sou seu prisioneiro aqui, lembra? Você não sai de casa, você não conversa comigo por dias e bebe até esquecer quem eu sou. Você inventa mentiras de como somos felizes para ignorar o que você mesma faz. — Peguei minha mala que estava no chão. Queria dar um ultimo beijo nela, mas tinha medo do que ela faria para me manter ali em seu cativeiro.

— Então acabou tudo? — Havia lágrimas nos olhos de Claudia. Seu sorriso tinha sumido de seu rosto. Parecia perplexa com a notícia. Parecia que tinha atirado em seu coração. A última coisa que eu desejava fazer com ela era machucá-la.

—Eu te amo Claudia. Só não quero te ver. Nunca mais. — Fui em direção da porta. Ela não me impediu. Girei a maçaneta e a abri. Assim que fechei a porta após ter saído daquele local ouvi-a chorar. Dei mais três passos e ouvi algo quebrando e a porta estremecendo. Provavelmente aquela garrafa de whiskey. Ela iria se arrepender depois.

Finalmente cheguei à rua. Estava frio como nunca, tanto, que assoprava as mãos em busca de calor. Peguei um cigarro em meu bolso e o acendi. Assoprei aquela maldita fumaça para cima enquanto olhava para a lua. Voltei a andar em busca de uma nova vida. Uma nova cidade. Nunca mais falei com Claudia. Mas recebi uma noticia de que havia falecido alguns meses depois que eu parti. Aparentemente esqueceu o gás ligado e quando acendeu a luz, explodiu o andar inteiro. Além de acabar com a minha vida, acabou com a de nossos vizinhos também. Não guardei magoas e nem as lembranças ruins de Claudia, na verdade, não lembro direito de como ela era, nem do sou sorriso e muito menos da sua risada. A única coisa que guardo, foi que um dia eu amei alguém muito mais do que amei a mim mesmo. Sempre amarei Claudia, mas nunca sentirei saudade.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Seja Incrível

Acorda-te de um mundo sem vida. Apenas o vazio existe. O caos tortura a mente que tortura o corpo; não gosta de sofrer sozinho, aliás.
Acorda-te. Mas dessa vez abra os olhos. O suor que escorre no rosto e o sol que cega os olhos.
Coça a barba e te espreguiça. Suspira, pois vem mais um dia.
Se prepare e se vista. Aquele terno, aquela gravata, aquele sapato.
Melhor.
Se vista com aquele seu ar "incrível". Que tal? Um pouco de "invencibilidade" nunca faz mal.
Não se esqueça do perfume. Adiciona um não-sei-o-quê.
Vá em direção ao seu dever e não pare.
As pessoas te admiram, sempre tens um sorriso no rosto.
Trabalhe como se não houvesse amanhã. É o que te resta.
Não sejas reconhecido e pegue chuva.
Ande a maior parte do caminho, até achar um lugar para poder sacar o dinheiro da condução. Esteja encharcado.
O perfume continua de leve no terno. A "invencibilidade" já se foi.
Um senhora com dificuldades de andar e uma subida. A chuva.
A consciência pesa.

- Senhora, precisa de ajuda?

Acompanhe-a até sua casa, desviando de sua rota. Ela te agradece e vai embora.
Volte uma boa parte do caminho.
Estaria próximo, se não avistasse uma pequena bomboniere.
Entre e compre seu chocolate favorito. E o segundo. E o terceiro.
Chegue em casa. Não esqueça de trancar a porta.
O perfume já não é mais sentido. Mas seu ar continua "incrível".
Coma seu chocolate.
Dizem que o universo sempre retribui boas ações.
Universo, a divida já ta paga.
Esse chocolate estava delicioso.


Pode ser um pouco solitário. Pode doer muito e machucar e te deixar pra baixo sem nenhuma perspectiva de vida com muitas palavras dolorosas que não seria válido escreve-las aqui.
Só tente ser "incrível", que as coisas aos poucos vão se tornado incríveis por si só.
Por menores que essas coisas sejam.