terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Phill

Para E. R.


- Então Phill, me conte, por qual motivo você empurrou seu irmão?

- Essa é a memória mais marcante que você tem de seu pai?
Quem perguntava era uma mulher. Tinha cabelos curtos e brancos. Seus óculos eram pequenos e quase imperceptíveis, eles não podiam roubar a profundidade de seus olhos.
- Basicamente sim.
Phill não queria estar ali. Odiava tudo aquilo. Aqueles olhos que viam além de sua carne, aquela sala iluminada e acolhedora.
A mulher riscava sua caderneta sem tirar os olhos de Phill.
Phill odiava o barulho do lápis sobre a folha. Principalmente quando era ela que escrevia. Já ouvia esse barulho horrível a tanto tempo e ainda não se acostumara, seu ódio apenas aumentava. Era isso. Ódio, muito ódio guardado e direcionado para aquele lápis e aquela caderneta.
- Mas, por quê?
Enquanto perguntava seus olhos continuavam serenos. Os de Phill não.
- Não sei. Talvez por isso ser o máximo de afeto que eu tinha dele. O tempo todo ele tentando me analisar. O tempo todo querendo saber - Uma risada saiu de Phill - Querendo saber não, sempre sabendo o que eu pensava e mesmo assim, perguntava pra me pegar na mentiria. Eu sempre mentia.
- Então você empurrou seu irmão pois queria a atenção do seu pai? Queria se sentir conectado com ele?
A mulher sempre balançava o lápis. Era seu próprio defeito. Seu tic. Seu TOC. Phil se irritava não por sua mania e sim pela única mania perceptível ser tão superior. Até em seus defeitos ela era melhor que ele.
- Não. Como assim? Não me lembro o motivo de eu ter empurrado meu irmão. Deve ter sido alguma brincadeira. Sei lá.
- Phill, você pode se sentar novamente?
Foi quando Phill percebeu que estava de pé, com os braços abertos. Quando tinha levantado? Era sua raiva, seu ódio.
Phil se sentou enquanto aqueles olhos serenos deixava-o nu por cima dos óculos, sem fazer nenhuma pergunta.
- Isso não da certo. Foi um erro eu ter vindo aqui achando que você ajudaria no meu ódio.
O lápis parou de balançar. A mulher se ajeitou na cadeira. Seus olhos estavam mais sérios, mas sem perder a calma.
- Eu preciso de sua ajuda. Quando você começar a me ajudar, eu vou saber como te ajudar. Essa sua raiva...
Phill bateu na mesa. Seus olhos estavam fechados. Não aguentava mais aquele olhos.
- Minha raiva é culpa dele. Ele fez isso comigo. Ele me alimentou com essa raiva, esse ódio por tudo que está fora da ordem. Isso é ele, não eu.
- Phill, isso não é ódio. Isso que você sente é dor, uma dor causada pela tristeza. Ela é tão forte, que se disfarça de raiva, de ódio. Você não é ele Phill. Você é pura dor. Sua dor fez você me procurar, faz você não conseguir se olhar no espelho, fez você empurrar seu irmão. Você não tem ódio, você não tem culpa.
Lágrimas escorriam pelo rosto de Phill. Se sentia pequeno, inútil.
- Eu só quero que pare de doer. Que um dia eu consiga voltar a dormir.
- Vai parar de doer. Você vai voltar a dormir. Talvez demore um pouco. Mas a felicidade sempre vem.
- Sempre? Você já esta começando a falar como ele.
A hora tinha acabado. Phill se levantou e pegou o caminho da rua. Chovia forte mas nenhuma gota d'água o tocava. Não realmente. Não como ele gostaria.

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