sábado, 14 de junho de 2014

A Última Noite

Então, me conte sobre você.

E ela começou a falar. Lembro que era um sábado a noite. Estávamos em um desses mini restaurante francês. Comidas que não tinha nem ideia como pronunciar e regados a vinho. 
Eu a tinha conhecido a algumas semanas atrás. Era uma garota bacana, simpática e muito inteligente. Bonita. Ela me conquistou quando disse que adorava Bandeira e Pessoa; e parece que eu a conquistei quando disse que era escritor, ou pelo menos tentava ser. 
Ela falava do emprego dela como veterinária. Eu apenas ouvia suas histórias. Ria. Ela era engraçada, gesticulava bastante. Provavelmente era o vinho, ele fazia essas coisas com todo mundo. Ela me contava sobre sua paixão pelos animais, mas eu só conseguia pensar como eu odiava gatos naquele momento. Ela me mostrava a tatuagem de um pássaro que ela tinha. Estava indo tudo muito bem, até que ela parou. Eu ainda olhava para ela. Bebeu um gole de sua taça. Seus lábios estavam pintados de vermelho. Seus olhos tinham a cor de toda a beleza que eu nunca tinha visto antes. Ela voltou a falar, mas dessa vez perguntou sobre mim. Ela queria me conhecer. Isso era complicado. Como dizer a ela que eu era um falso escritor, que na verdade ganhava dinheiro com outras atividades administrativas? Nunca tinha vendido um livro que seja, mas vendi minha imagem de escritor a ela. Um pseudointelectual. Ela me contou histórias incríveis; já eu não tinha nada. A não ser que ela queira saber da minha discussão com meu vizinho de porta sobre os roubos de jornal e de sinal de internet. Eu realmente achei que ela não queria ouvir sobre isso. Então eu fiz o que qualquer homem na minha posição faria. Eu menti.
Contei as histórias mais fascinantes a ela. Disse que já atravessei a fronteira do Paraguai em um dia de bebedeira com os amigos. Minhas discussões com editoras e como elas eram totalmente vendidas e não entendiam o real significado da literatura contemporânea. Meu breve emprego como investidor da bolsa de valores e como eu evitei que várias pessoas falissem  na crise de 2008. Eu contei tudo que ouvi, que criei e que não existia. Agora era eu que gesticulava. Provavelmente o vinho.
Indiretamente eu contei a ela o que eu mais amava. Criar histórias. Mesmo que não contendo total veracidade nos fatos discorridos. Eu tinha criado um personagem incrível; e com toda certeza, ele tinha conquistado a garota com tanta beleza.
Eu paguei a conta quando nosso vinho chegou ao fim. Pegamos um taxi e paramos na casa dela. Ela tinha um gato. Eu odeio gatos, mas ele não podia me afetar ali, não meu personagem.
Depois que fui embora, nós nunca mais nos falamos. Talvez o fato de eu ter criado todo um roteiro para poder contracenar com ela tenha me deixado pouco atraído por sua conversa, seus lábios, seus olhos; talvez eu não saiba o que tenha feito, tenha agido como um babaca por nunca mais falar com ela e seja tarde de mais para voltar atrás com esse erro; ou talvez eu realmente não goste de gatos.

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