terça-feira, 17 de junho de 2014

O Passado Passou

Hoje o passado passou por mim e não me reconheceu.
Acordei meio tonto, como sempre. Minha cara era a denúncia de uma noite com poucas lembranças.
Era tarde. Mas eu havia acabado de acordar, ou seja, precisava de um café.
Sempre tive problemas com minha cafeteira, ela nunca funciona quando eu mais preciso dela.
Acontece. Tomei duas aspirinas e voltei a dormir.
Acordei já era noite.
Precisava de comida.
Aquela vida estava me matando já. Precisava tomar um jeito.
Sai para comprar algo. Resolvi ir a um desses "hipermegablaster" mercados que tem por aí.
A variedade de coisas que encontramos neles é absurda.
Comecei a andar pelos corredores infinitos com um carrinho. Que carrinho barulhento. Minha cabeça doía.
Peguei uns pães, alguns frios. Olhei para a cerveja. Pensei, "Não faça isso com você mesmo, Chico".
O que era pior? Cogitar pegar um pacote de cerveja ou conversar com você mesmo usando um diminutivo de seu nome?
Por via das dúvidas, fiquei com pacote de cerveja.
Estava finalmente na fila do caixa. Aquelas filas de vinte volumes no máximo que tem aquelas telinhas pra você ir pro caixa certo, sabe?
E que fila.
Eu só tinha, basicamente, três produtos no meu carrinho: Pão, Frios e Cerveja. Por qual motivo, eu tinha que pegar essa fila absurda?
Bom, o motivo veio de supetão.
Lá estava ela. Seus cabelos negros, sua pele morena. Sua risada alta e doce.
Não acreditava no que estava vendo.
Era, com certeza, a mulher no qual um dia eu já fui apaixonado.
Ela estava grudada com um hipster de dreads que tinha o dobro do meu tamanho. Por Deus.
Eles riam e conversavam. Ela tinha um pote de sorvete de creme nas mãos.
Assim que eles se aproximavam, eu pensava no que dizer assim que nossos olhos viessem a se encontrar.
Com certeza ia ficar um clima estranho. Declarei meu amor doentio para ela em uma festa. Bêbado. Três anos atrás.
Desde então, eu nunca mais tinha a visto.
Já estava preparado, ia começar com um oi, seguido de um quanto tempo e quem sabe, dependendo da fila, perguntar como anda a vida.
Assim que se aproximava, ela olhou em meus olhos e passou.
Ela não me reconheceu. Não fez nenhum esforço mental. Nenhum lapso.
Concordo que eu tinha mudado, estava mais barbudo e mais acabado. Parecia que eu tinha trabalhado em uma construção pra ser mais exato.
Mas não me reconhecer? Eu que passei tantas noites em claro consolando ela, conversando e amando em segredo.
Como posso sobreviver sabendo que a pessoa que um dia foi minha amiga, a pessoa que um dia eu amei tanto, se...
O número na tela era um nove vermelho. Minha vez de passar minhas mercadorias.
Paguei meus três itens e fui embora fazer meu café da manhã às sete horas da noite.

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